segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Quando uma jurisprudência é considerada consolidada?




É com grande frequência que ouvimos na mídia ou nos meios jurídicos a expressão “jurisprudência consolidada"  para dizer que é pacífico o entendimento de certo Tribunal sobre uma controvérsia posta em juízo. Mas, o que é uma jurisprudência consolidada? Quando ela se forma? Quantos casos devem ser julgados para que tenhamos uma jurisprudência ou precedente consolidado?

Segundo a renomada professora Misabel Derzi[i], referindo-se aos ensinamentos de HEIKI POHL, os precedentes judiciais podem distinguir de duas formas: (i) precedentes, que são jurisprudência, verdadeiros mandamentos de aplicação e de respeito, com caráter vinculativo, ou seja, proibição de desvio, de divergência. Essa espécie configura a verdadeira decisão uniformizadora da Corte hierarquicamente superior, que obriga os tribunas inferiores, sem possibilidade de modificação pelas primeiras instâncias. Neste caso, temos como exemplo os resultados da sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral. Somente a Corte superior pode alterar a norma consolidada. (ii) precedentes como jurisprudência estabilizada, que não supõe necessariamente o principio hierárquico, nem tampouco configuram proibição de divergência, mas são singelos mandamentos de recomendação para consideração na solução de conflitos do mesmo grupo de casos similares.

Em muitos casos, ou quase todos, a referência que se faz à expressão “jurisprudência consolidada” está relacionada à segunda distinção acima apresentada. Ainda que esse tipo de precedente não tenha caráter vinculante, poderia ser considerado uma jurisprudência consolidada, seja pela quantidade de julgados semelhantes, seja porque foi proferido por um Tribunal superior? Acreditamos que a resposta é não. Buscaremos as justificativas no direito alemão.
Segundo HEIKI POHL, em todas sentenças em processo subjetivo há uma questão geral e uma questão individual. A questão individual diz respeito ao caso concreto e à extensão limitada da parte dispositiva da sentença propriamente dita. Mas, por detrás de toda sentença, existe uma questão geral, uma norma judicial, que se sacou da norma legal que a fundamenta. Para o autor alemão, fazem parte da mesma jurisprudência, as decisões que dão a mesma resposta a uma determinada pergunta geral. A resposta geral é também, conforme ensinamentos de Misabel Derzi[ii] denominada de norma ou regra judicial (que se extrai de vários casos similares). 

Para o autor alemão, em um caso posto em julgamento sempre há uma questão, um problema, uma pergunta geral intrínseca. E o que identificará uma jurisprudência como a mesma jurisprudência será de a pergunta geral – que se extrai de vários casos similares – obter a mesma resposta geral.

Para exemplificar o que é uma resposta geral, vamos analisar qual será então a regra judicial que presidiu a decisão nos Res n. 559.882-9 e 560.626-1/RS, julgada pelo Pleno do STF, que reconheceu a inconstitucionalidade dos art. 45 e 46 da Lei n. 8.212/91 e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77. A discussão jurídica consiste na polêmica constitucional relativo aos prazos prescricionais e decadenciais de 10 anos das contribuições da seguridade. À Luz do art. 146, III, “b”, da CR/1988, os aludidos conteúdos normativos deveriam ser veiculados por legislação complementar ou se poderiam ser regulados por legislação ordinária? A resposta geral deste julgado foi, segundo Misabel Derzi: à luz do art. 146, III, “b”, da Constituição de 1988, somente a lei complementar pode dispor sobre decadência e prescrição para a cobrança das contribuições sociais e dos demais tributos, inclusive a definição de prazos respectivos.

Desta forma, qualquer julgado que tiver a mesma resposta geral será considerado uma jurisprudência idêntica. 

Mas, quando estaremos diante de uma jurisprudência consolidada? Primeiramente, é importante desconstruir um conceito ultrapassado arraigado nos pensamentos de alguns juristas:  é importante que se tenha várias decisões iguais sobre casos semelhantes ou se ela foi repetida em série ou se decorreu muito tempo para que a jurisprudência tenha sido considerada como um precedente. Ora, iIsso pouco importa. O que se deve buscar saber é se a decisão foi tomada por Tribunal superior, se é final e irreversível. 

Desconstruído esse pensamento comum de como se forma o precedente jurisprudencial, podemos dizer, que uma jurisprudência consolidada, firmada pelo Supremo Tribunal Federal, instância máxima para exercer a jurisdição constitucional, será qualquer decisão, tomada em caráter definitivo pelo Plenário do STF, que tenha dado resposta a uma questão jurídica geral, transformando-se em verdadeira norma judicial, que se transforma em precedente para todos os demais tribunais, sendo possível que as demais instâncias inferiores se ajustem imediatamente ao precedente[iii]. Esse precedente só deixaria de ser aplicado com uma mudança da jurisprudência, com uma guinada jurisprudencial, que ocorre com mudança da resposta geral do precedente antigo. Ou seja, a pergunta geral encontra uma nova resposta geral, diferente daquela anterior.

Portanto, é a resposta geral a uma pergunta ou questão que caracteriza a jurisprudência. E ela será consolidada quando a decisão for tomada em caráter definitivo pelo Plenário do STF.


[i] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2009, p. 255-259.
[ii] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit., p. 531.
[iii] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Op. cit., p. 259.