É
com grande frequência que ouvimos na mídia ou nos meios jurídicos a expressão “jurisprudência
consolidada" para dizer que é pacífico o entendimento de certo Tribunal sobre uma
controvérsia posta em juízo. Mas, o que é uma jurisprudência consolidada? Quando
ela se forma? Quantos casos devem ser julgados para que tenhamos uma
jurisprudência ou precedente consolidado?
Segundo
a renomada professora Misabel Derzi[i],
referindo-se aos ensinamentos de HEIKI POHL, os precedentes judiciais podem
distinguir de duas formas: (i) precedentes, que são jurisprudência, verdadeiros
mandamentos de aplicação e de respeito, com caráter vinculativo, ou seja,
proibição de desvio, de divergência. Essa espécie configura a verdadeira decisão
uniformizadora da Corte hierarquicamente superior, que obriga os tribunas
inferiores, sem possibilidade de modificação pelas primeiras instâncias. Neste caso,
temos como exemplo os resultados da sistemática dos recursos repetitivos e da repercussão geral. Somente a
Corte superior pode alterar a norma consolidada. (ii) precedentes
como jurisprudência estabilizada, que não supõe necessariamente o principio
hierárquico, nem tampouco configuram proibição de divergência, mas são singelos
mandamentos de recomendação para consideração na solução de conflitos do mesmo
grupo de casos similares.
Em
muitos casos, ou quase todos, a referência que se faz à expressão “jurisprudência
consolidada” está relacionada à segunda distinção acima apresentada. Ainda que esse tipo de
precedente não tenha caráter vinculante, poderia ser considerado uma jurisprudência
consolidada, seja pela quantidade de julgados semelhantes, seja porque foi
proferido por um Tribunal superior? Acreditamos que a resposta é não. Buscaremos
as justificativas no direito alemão.
Segundo
HEIKI POHL, em todas sentenças em processo subjetivo há uma questão geral e uma
questão individual. A questão individual diz respeito ao caso concreto e à
extensão limitada da parte dispositiva da sentença propriamente dita. Mas, por detrás
de toda sentença, existe uma questão geral, uma norma judicial, que se sacou da
norma legal que a fundamenta. Para o autor alemão, fazem parte da mesma
jurisprudência, as decisões que dão a mesma resposta a uma determinada pergunta
geral. A resposta geral é também, conforme ensinamentos de Misabel Derzi[ii]
denominada de norma ou regra judicial (que se extrai de vários casos
similares).
Para o autor alemão, em um caso posto em julgamento sempre há uma questão, um problema, uma
pergunta geral intrínseca. E o que identificará uma jurisprudência como a mesma
jurisprudência será de a pergunta geral – que se extrai de vários casos
similares – obter a mesma resposta geral.
Para
exemplificar o que é uma resposta geral, vamos analisar qual será então a regra
judicial que presidiu a decisão nos Res n. 559.882-9 e 560.626-1/RS, julgada
pelo Pleno do STF, que reconheceu a inconstitucionalidade dos art. 45 e 46 da
Lei n. 8.212/91 e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77. A discussão
jurídica consiste na polêmica constitucional relativo aos prazos prescricionais
e decadenciais de 10 anos das contribuições da seguridade. À Luz do art. 146,
III, “b”, da CR/1988, os aludidos conteúdos normativos deveriam ser veiculados
por legislação complementar ou se poderiam ser regulados por legislação
ordinária? A resposta geral deste julgado foi, segundo Misabel Derzi: à luz do art. 146, III, “b”, da
Constituição de 1988, somente a lei complementar pode dispor sobre decadência e
prescrição para a cobrança das contribuições sociais e dos demais tributos,
inclusive a definição de prazos respectivos.
Desta
forma, qualquer julgado que tiver a mesma resposta geral será considerado uma jurisprudência
idêntica.
Mas, quando estaremos diante de uma jurisprudência consolidada? Primeiramente,
é importante desconstruir um conceito ultrapassado arraigado nos pensamentos de alguns
juristas: é importante que se tenha várias decisões iguais sobre casos
semelhantes ou se ela foi repetida em série ou se decorreu muito tempo para que
a jurisprudência tenha sido considerada como um precedente. Ora, iIsso pouco importa.
O que se deve buscar saber é se a decisão foi tomada por Tribunal superior, se
é final e irreversível.
Desconstruído esse pensamento comum de como se forma o precedente jurisprudencial, podemos dizer,
que uma jurisprudência consolidada, firmada pelo Supremo Tribunal Federal, instância
máxima para exercer a jurisdição constitucional, será qualquer decisão, tomada
em caráter definitivo pelo Plenário do STF, que tenha dado resposta a uma
questão jurídica geral, transformando-se em verdadeira norma judicial, que se
transforma em precedente para todos os demais tribunais, sendo possível que as
demais instâncias inferiores se ajustem imediatamente ao precedente[iii]. Esse
precedente só deixaria de ser aplicado com uma mudança da jurisprudência, com uma
guinada jurisprudencial, que ocorre com mudança da resposta geral do precedente
antigo. Ou seja, a pergunta geral encontra uma nova resposta geral, diferente
daquela anterior.